Dzúwí: fazer-se água
Nathalia Kariri Leal
Talvez não se lembrem que há parentes dormindo aqui embaixo,
mas a água irá *vai te lembrar.
Rios não precisam de CNPJ,
nem “licença ambiental própria”,
ay dzú prometem: as cidades irão afundar.
Andar descalço sem pressa,
pra que ancestros sintam nossos códigos não alfabéticos,
surf de trem,
escada humana,
sabedoria milenar nos foscados em prédios.
Há dezenas de centenas de nós dormindo nas ruas,
reconhece seus iguais?
Como kilómetros de vales de manta sintética,
nosso contexto não têm licença poética,
é privada a cidade de vínculos estatais.
“Civilidade é a tentativa de domesticação de povos originários”,
eu não sou civilizado,
eu não tenho educação nenhuma,
sua civilidade é des-progresso, des-humano, e cicatrizes profundas.
Desterrados,
terra todos nós temos,
nós somos,
des-propriados e empobrecidos,
Dzubukuá é povo do rio, caso você tenha esquecido.
A água vai te lembrar:
A água é nosso ancestral mais antigo.
Dzudé Opará
Pidé ynhanaté
Nhanhikié ayby
Hohó uché kanghy
Andery ayby enké
Uby dzudé Opará moró
Repetir todos os dias até que seus ouvidos fiquem calejados:
Toda cidade grande
foi floresta antes…
E todo rio é um Deus deitado.
Ficha Técnica
Música: Dani Turcheto
Letra e Voz: Nathalia Kariri Leal
Programação: Pipo Pegoraro e Dani Turcheto
Sintetizadores: Zé Nigro
Percussão: Ricardo Braga
Coro : Helô Ribeiro
Nathalia Kariri Leal, nascida na periferia do Jd.Elba – zona leste de SP, e hoje, moradora do território tradicional do Corumbê – Paraty. Indígena da nação Kariri do território de Pernambuco e Alagoas. Co-fundadora e organizadora do Slam da Retomada (primeira Batalha de Poesia da cidade de Paraty desde 2017, coletiva multi-étnica formada por indígenas de territórios demarcados e não-demarcados). Contadora de histórias e educadora pelo Sesc Paraty em parceria com a Rede Mar de Leitores nas bibliotecas comunitárias desde 2022. Artista visual e educadora popular pela Punkariri (produção do matriarcado Kariri de sua família) desde 2010. Participante da Feira de Agricultura Familiar junto a Yuká Cooperatyva (coletivo de artesanías originárias e multi-étnicas) desde 2021.